eleger objetos, segundo Barthes e as imagens de família
Sobre processos criativos em família e o lançamento de 'Sobrenome', neste domingo (10).
Em A câmara clara (8. ed., 2022), Barthes pergunta: “por que escolher (fotografar) tal objeto, tal instante, em vez de tal outro?”. Essa pergunta saltou do livro durante uma formação que fiz com Carolina Junqueira. Na ocasião, estudamos as poéticas do luto em torno do autor. Pensei muito sobre essa escolha de objetos, desde lá atrás, há dois anos, mais ou menos.
De fato, eleger alguma coisa não é uma tarefa fácil. Você acolhe um objeto e dele vem o sentimento possível pela vida e pelas pessoas que ele desperta em nós. Desde que iniciei as pesquisas sobre imagem no contexto de família, o objeto que mais me encontra é a fotografia. Eleger um retrato como objeto foi difícil no começo, mas entendi que a partilha do registro impresso é algo tão interessante quanto vestimentas, quadros e outros itens de decoração.
Uma das coisas que fiz durante as pesquisas para sobrenome foi perguntar a alguns familiares como essa escolha funciona para eles. O que torna um objeto amoroso para vocês? A pergunta era para a publicação digital. Eu queria saber os motivos de três pessoas distintas — o íntimo, lá no fundo —, o que as fazia escolher determinada coisa e não outra. Nesse caminho, meses em que me alonguei a investigar a publicação que logo virá, ouvi que a escolha por um objeto é inspirada em alguém; um rosto. Como as cenas de um filme que nos marcou ou as rotas que uma música traça em nosso coração. Eleger um objeto traz alguém.
Minhas tias deram coisas diferentes: uma escolheu as fotografias de álbuns como norte central; a outra, entre muitos itens, destacou um frasco de perfume. A minha mãe, uma jarra da avó.
Fiz fotografias dessas impressões tão pessoais delas. Lembrei de Barthes, das conversas com Carolina, até chegar no que a publicação digital sobrenome se tornou nos últimos meses.
Na página dezoito do livro, Barthes diz: “resolvi tomar como ponto de partida de minha busca apenas algumas fotos, aquelas que eu estava certo de que existiam para mim”. Essa existência está condicionada ao que fica: lembrança, sorriso, choro, lugar, espaço, monumento. Quando devolvi as fotos para minhas tias e mãe, cada uma sentiu os registros de um jeito. Uma delas ficou impressionada por rever a mão do pai tão de perto. Falou da textura, das dobras, do jeito. A outra lembrou da estampa do seu vestido de noiva. Viu as pedras o mais perto possível, mais de trinta anos depois.
Essa condição de reparar a existência de outro ângulo nosso, mas que parece tão estranho após um tempo longe sem o observar, evoca aquilo que a imagem é: um dispositivo presente. Em todos os sentidos, presente.
Essa presença, que é ao mesmo tempo prova e reencontro, alcança sobrenome. Nos últimos meses vivendo entre a materialidade e o vestígio de cada gesto que encontrei, a imagem me lembrou que (sempre) liga o íntimo ao coletivo, o passado ao presente, a ausência à permanência. É nesse intervalo que a escolha se revela. E é nele que a memória continua.
A publicação digital sobrenome busca documentar e valorizar as memórias e identidades comunitárias, essenciais para manter vivo o elo entre passado, presente e futuro. Através da fotografia de cômodos e objetos usuais e decorativos, o projeto amplia o olhar sobre o valor das memórias preservadas na cultura visual e incentiva a perpetuação da cultura da imagem. Espero muito que vocês gostem.
A publicação digital será lançada no dia 10 de agosto, às 12h, com divulgação nas redes sociais e também por aqui.





