“Saber que eles existiam era uma casa”. Eu encontrava o luto quando li a casa que Adriana Lisboa1 descrevia. Embora as paredes descritas não fossem minhas, eu via: brechas de luz e uma sensação de que as pessoas permanecem mesmo depois de partir. Voltei ao texto meses depois, quando essa ideia — casa como prova de existência — já tinha virado semente do que apresento agora.
Meus familiares nasceram e cresceram em Batalha, no sertão alagoano, e boa parte deles vive lá. Quando meus avós migraram do interior para a capital, trouxeram tudo, dentre eles, objetos que estabeleceram um território afetivo dentro de uma nova cidade, Maceió. Chego em 2023, quando vi meu avô pedir que tirássemos da vista os pertences dos meus tios, falecidos naquele ano, enquanto eu tentava dar continuidade às pesquisas iniciadas anos antes: fotografar paredes, móveis, papéis, telhas. Cada detalhe de memórias familiares.
A imagem sempre esteve aqui. Entre retratos ensaiados, negativos escaneados2, assinaturas catalogadas e centenas de colagens, confirmei o que Annie Ernaux diz: há sempre um detalhe que crispa a lembrança3— um objeto que fere e, ao mesmo tempo, salva.
Sobrenome é o capítulo mais recente dessa caminhada. Um ensaio fotográfico digital que parte da memória familiar para dialogar com as visualidades que compõem nossa identidade alagoana. É a tentativa de costurar, em imagens, o elo entre passado e presente.
Partilhar os caminhos percorridos até aqui firma meus pés no chão e renova a crença no que as artes visuais, a fotografia e a nossa cultura de imagem podem fazer pela memória. Elas nos ajudam a lembrar, a pertencer, a continuar. Sobrenome nasce desse gesto — de escuta, de permanência e de continuidade.
O projeto é realizado com recursos da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), do Governo Federal, através do Ministério da Cultura, operacionalizado pelo Governo de Alagoas, por meio da Secretaria de Estado da Cultura e Economia Criativa.
Adriana Lisboa, Todo o tempo que existe. Disponível em: adrianalisboa.com/todo-o-tempo-pt. O trecho citado está na página 31 da versão física do livro.
Um agradecimento à Taynah Silva, que, em 2023, digitalizou diversos filmes do meu acervo pessoal. Foi a partir desse gesto que pude acessar imagens até então desconhecidas — e, com elas, reencontrar pedaços da minha própria história.
Annie Ernaux, A escrita como faca. Fósforo Editora – fosforoeditora.com.br. O trecho citado está no texto Um desejo de dissolução.